O Fino do Fino

Elis Regina e Zimbo Trio

“Um artista é um repórter do seu tempo”. A frase, eternizada pela garganta da cantora Elis Regina, lembra a origem do estímulo criativo de uma das maiores intérpretes do país. Usada em diversas entrevistas, foi registrada em “Elis e Eu”, livro de memórias do também artista João Marcello Bôscoli, que teve a infância marcada pela convivência interrompida entre mãe e filho (11 anos, 6 meses e 19 dias). 

Como narradora do seu tempo se expressa Elis em O Fino do Fino (1965), um disco visualmente minimalista e musicalmente grandioso. Por fora, uma capa inspirada no formalismo alemão, por Elis abrasileirado, e, por dentro, um vinil com repertório altivo, composto por canções que falam de um Brasil negro, marcado pela exaltação do samba e pela migração interna no país. 

O Fino do Fino é todo ele um disco de mudanças e ousadias na carreira da artista. Nas quatro obras anteriores, era a própria Elis a imagem de sua música. Seu rosto e sua silhueta eram o chamariz nas capas dos álbuns: Viva a brotolândia (1961); Poemas de amor (1962); O bem do amor (1962) e Samba eu canto assim (1965).

Com radicalismo estético, aquela coletânea de canções sobre o Brasil apresentava uma artista menos preocupada consigo e mais interessada em compartilhar seu pensamento.     

A capa, vista pela fusão de um trio geométrico, representando a parceria musical com os instrumentistas Amilton Godói ao piano, Luís Chaves no contrabaixo e Rubinho Barsotti na bateria, que compunham a formação original do Zimbo Trio. O grupo instrumental surgiu em 1964 e foi parceiro de Elis na apresentação para paulistanos, registrada em um corajoso trabalho de captação sonora.  

Quando chegou às prateleiras, meses depois do golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil, o álbum, gravado ao vivo no Teatro Record (São Paulo/SP), registrou o fervor de uma plateia indignada e responsiva ao canto de protesto de Elis. 

Com “Chegança”, de Edu Lobo e Oduvaldo Viana Filho, faixa derradeira do álbum, Elis reporta a saga migratória sertaneja. A canção havia sido gravada em 1964 por Nara Leão, em Opinião de Nara, obra igualmente questionadora da vida social brasileira. Aqueles anos, como apontam os estudos de migração no Brasil, foram de intenso fluxo para as migrações internas, impulsionadas pela industrialização nos grandes centros. Era, portanto, pauta relevante para o noticiário musical de Elis. 

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