O Menino e o Mundo

Resenha

Pode ser contra intuitivo, mas a maturidade de O Menino e O Mundo está em seu compromisso em ser infantil. O filme força o espectador, independente da idade, a assumir um olhar de menino. Os rostos dos personagens são reduzidos a dois traços paralelos para os olhos e um círculo para a cabeça, enquanto os diálogos são ditos em um português gravado ao contrário. A expressão facial e a linguagem verbal tornam-se ininteligíveis e, consequentemente, quem assiste deve abandonar os códigos adultos e ficar à mercê dos desenhos animados feitos a lápis de cor, giz de cera, colagens e pinturas. Para assistir esse filme é necessário voltar a ser criança.

Bastaria essa experimentação técnica para tornar O Menino e O Mundo uma das animações mais importantes da história. Porém, Alê Abreu usa desta sensibilidade para fazer uma importante crítica política e social. Através da jornada de um menino desde sua casa rural até a cidade em busca do pai retirante, o filme explora o processo de produção capitalista, focando-se em especial na cadeia da indústria têxtil. Testemunhando desde a colheita do algodão até sua transformação em tecido destinado à exportação, o menino se inteira de um mundo comodificado avesso à sua subjetividade infantil.

Esse maquinário de exploração capitalista é contraposto à criação artística e coletiva em multidões, que tentam restituir ludicidade e alegria à cidade industrializada através de uma marcha carnavalesca brutalmente reprimida pela polícia. Considerando o contexto de sua produção, o filme faz uma referência indireta às Jornadas de Junho de 2013, figurando diferentes expressões do chamado direito à cidade, reivindicado por movimentos sociais urbanos que ganharam proeminência nos anos subsequentes às manifestações.

Essas pautas políticas são abordadas sem fazer uso de palavras de ordem e tocam tão fundo justamente porque Alê Abreu recusa discursos feitos. Ao expressar demandas populares com a simplicidade e inocência de uma criança fica mais difícil contrariá-las.

Ficha Técnica

Direção: Alê Abreu

Música: Ruben Feffer, Gustavo Kurlat

Duração: 85 min

Sugestão de leitura

UCHOA, Fabio. O menino e o mundo (2013) de Alê Abreu: campo-cidade, estilo indireto livre e o direito à cidade. E-Compós, [S.L.], v. 21, n. 3, p. 1419-1419, 20 dez. 2018. E-compos. http://dx.doi.org/10.30962/ec.1419.

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