A Próxima Vítima

Resenha

“Esta eleição é uma puta mentira, não vai dar em nada outra vez” afirma o jornalista David, interpretado por Antonio Fagundes, durante um dos primeiros comícios do Partido dos Trabalhadores. O filme se passa no auge das eleições de 1982, as primeiras eleições diretas para governador desde os anos 1960. 

A Próxima Vítima retrata as incertezas e ansiedades muitas vezes não ditas, mas não menos presentes, que existiam apesar do otimismo dos discursos das lideranças. João Batista de Andrade, o diretor, fazia parte da oposição à ditadura militar, chegando a coordenar a campanha eleitoral do PMDB naquele ano, mas, pessoalmente, questionava se o retorno da democracia seria suficiente para resolver os diversos problemas estruturais da nação.

Enquanto os colegas reportam as eleições, David fica com a pauta tida como menos relevante: o caso do maníaco do Brás, uma série de misteriosos assassinatos de prostitutas na região central de São Paulo. Thriller tanto político quanto policial, A Próxima Vítima acompanha a busca pelo responsável dos crimes, que força David a percorrer dois Brasis: um diurno dos partidos, passeatas e falas públicas e outro noturno dos prostíbulos e cortiços. Apesar de se defrontar com a pobreza, o racismo e a violência do cotidiano da periferia paulista, a investigação de David falha em identificar o assassino. As mortes são caracterizadas não como a ação de um indivíduo isolado, mas como resultado de vários fatores sociais.

Porém, se David não acha um culpado, a polícia, liderada pelo personagem do delegado Orlando, acha alguém a quem culpar: um marginal inexpressivo conhecido como “Nego”. Orlando admite que pouco tempo antes prenderia e torturaria o jornalista David, mas “agora os tempos são outros”. David termina sua reportagem, enquanto Orlando se mantém no cargo, adaptando-se ao novo momento político.

Um retrato amargo da redemocratização do Brasil, A Próxima Vítima traça a persistência de relações insalubres entre política, polícia e mídia mesmo diante de conquistas democráticas. Uma trama vil que não dá sinais de que será desfeita tão cedo.

Ficha Técnica

Direção: João Batista de Andrade

Roteiro: Lauro César Muniz, João Batista de Andrade

Elenco: Antônio Fagundes, Mayara Magri, Gianfrancesco Guarnieri

Sugestões de Leitura

CAVALCANTE, A. A transição democrática brasileira (1974- 1989) pelas lentes de João Batista de Andrade Revista Tempo e Argumento, vol. 9, núm. 21, maio-agosto, 2017, pp. 43-73.